Sebastião Salgado: a vida e a obra


Da economia às paisagens intocadas, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, mestre do preto e branco e incansável ativista da dignidade e da natureza, deixa um legado monumental que ecoa em cada imagem e na terra que ajudou a renascer.

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, nascido em Aimorés, Minas Gerais, em 8 de fevereiro de 1944, economista por formação que transformou a câmera em sua ferramenta de interação com o mundo, faleceu em 23 de maio de 2025, em Paris, França, aos 81 anos. Sua partida marca o fim da jornada terrena de um dos mais respeitados fotógrafos documentais da história. Salgado se notabilizou por seu trabalho em preto e branco, capturando realidades extremas da condição humana e a majestade intocada do planeta, utilizando a fotografia como uma linguagem universal para provocar debates e gerar consciência.

Inicialmente seguindo a carreira de economista, com formação pela UFES, mestrado pela USP, e doutorado pela Universidade de Paris, Salgado descobriu a fotografia nos anos 1970, exilado em Paris devido à ditadura militar no Brasil, ao lado de sua esposa Lélia Deluiz Wanick Salgado. A transição para a fotografia profissional ocorreu em 1973, aos 29 anos, motivado pela crença de que as imagens podiam comunicar de forma mais eficaz do que relatórios econômicos. Trabalhou para agências renomadas como Sygma, Gamma e Magnum Photos antes de fundar a Amazonas Images com Lélia em 1994. Viajou por mais de 120 países, documentando diversas realidades globais.

Seu estilo fotográfico é inconfundível, marcado pelo uso magistral do preto e branco, que ele acreditava permitir focar na essência, na personalidade e na dignidade dos sujeitos, intensificando a realidade. Sua técnica apurada incluía composições dramáticas, jogo de luz e sombras (chiaroscuro), e a utilização de hiperprofundidade de campo para oferecer o contexto completo da cena. Salgado buscava capturar o "instante decisivo", registrando ações no meio de seu curso para conferir dinamismo e realismo. Apesar do realismo, a ausência de cor adicionava um toque surreal, resultando em um "realismo fantástico". Sua obra apresenta uma hibridação entre a estética que aprendeu na França e a narrativa profundamente brasileira e latino-americana.

A carreira de Salgado é frequentemente dividida em fases distintas, representadas por suas obras monumentais. "Outras Américas", um de seus trabalhos mais emblemáticos, desenvolvido entre 1977 e 1984, documentou comunidades camponesas e indígenas na América Latina, capturando a dignidade de povos diversos em seu cotidiano. Seguiram-se projetos como "Trabalhadores" (1993), que documentou modos de vida em extinção pelo mundo, e as impactantes imagens da mina de ouro de "Serra Pelada".

A obra "Êxodos" (publicada em 2000), resultado de seis anos de trabalho em quarenta países, documentou a miséria, a pobreza e as dificuldades de refugiados e populações marginalizadas, vítimas de desigualdades, repressão e guerras. Salgado, que teve sua própria experiência de exílio, tinha uma identificação profunda com o tema. Sua intenção era tornar essa realidade visível, e as pessoas, mesmo em sofrimento, aceitavam ser fotografadas na esperança de que sua dor fosse divulgada. Esta obra estabeleceu um "contrato de leitura" com uma audiência externa que, em parte, buscava "o bizarro" ou o que saía de sua normalidade. O sucesso mundial de "Êxodos" o projetou internacionalmente, mas também o deixou psicologicamente esgotado e em depressão.

Em um divisor de águas pessoal e profissional, Salgado dedicou-se a "Gênesis" (publicada em 2013), um épico de oito anos que buscou fotografar a natureza intocada, paisagens grandiosas e povos que tiveram pouco contato com a sociedade moderna. Esta obra representou uma busca por cura e uma religação com o estado natural do mundo, surgindo em paralelo ao projeto de reflorestamento em sua fazenda de infância. Enquanto em "Êxodos" havia um contrato com a audiência externa, em "Gênesis" o contrato foi consigo mesmo, encontrando a solução para seus problemas naquilo que fotografava. Ainda assim, a obra encontrou um público interessado e alcançou sucesso. Salgado a chamou de "minha carta de amor ao planeta".

O compromisso de Salgado com questões sociais e ambientais sempre foi forte. Um marco essencial em sua vida foi a fundação do Instituto Terra em 1998, ao lado de Lélia Wanick Salgado. Esta ONG é dedicada ao reflorestamento e à recuperação da biodiversidade da Mata Atlântica na região da Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais, na antiga fazenda da família Salgado. O Instituto Terra promove o desenvolvimento rural sustentável, busca recuperar nascentes e, como descrito, "semeou esperança onde havia devastação". O projeto é frequentemente associado à cura pessoal de Sebastião após a depressão.

A exposição "Amazônia", uma continuação de sua exploração da natureza e dos povos indígenas, buscou imergir o visitante na floresta com imagens, sons e vídeos, destacando a importância da preservação e da regeneração. Salgado, que enfrentava sequelas de uma malária adquirida nos anos 90, o que influenciou sua aposentadoria das viagens extremas, estava planejando uma mostra especial sobre a Amazônia para a COP30 em Belém. Ele declarou no ano anterior que estava mais perto da morte do que de outra coisa, mas continuava trabalhando.

Salgado recebeu inúmeros prêmios e honrarias ao longo de sua carreira, foi Embaixador da Boa Vontade da UNICEF e membro da Académie des Beaux-Arts em Paris. Sua vida e obra foram retratadas no aclamado documentário "O Sal da Terra" (2014), dirigido por Wim Wenders e seu filho Juliano Ribeiro Salgado, que oferece um olhar íntimo sobre sua jornada e seu ativismo.

Apesar dos debates éticos e estéticos gerados por sua obra, especialmente "Êxodos", sobre a possibilidade de encontrar beleza na miséria, a capacidade de Salgado de captar a dignidade e a humanidade em situações extremas através de sua técnica "purista" é inquestionável.

Sebastião Salgado não se via apenas como um artista, mas como alguém que "tinha que fazer" o que fazia com sua câmera. Seu legado perdura não só nas imagens que mudaram a forma como vemos o mundo, mas também no trabalho concreto do Instituto Terra, que continua a promover a cura e a conservação ambiental. Ele próprio afirmou que seu trabalho era uma simples correlação com sua forma de vida. Em suas fotos, "é minha vida que está nas fotos e nada mais". A lente de Salgado se fechou, mas seu olhar profundo sobre a humanidade e o planeta continuará a nos inspirar a ver, refletir e agir, mantendo viva a esperança na regeneração.

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